terça-feira, 7 de abril de 2015

- Saúde no Canadá (1): na teoria


Finalmente resolvi criar coragem para falar da saúde aqui. Sei que este assunto é exaustivamente abordado em todos os blogs, mas não dá para deixar de colocar a nossa experiência a respeito né?! A ideia é falar disso em três partes. Primeiro de como o sistema de saúde é na teoria. Segundo, falar um pouco de como funciona na prática. Terceiro, contar a experiência do Mauricio que passou por cirurgia recentemente. 

Então senta que lá vem história... vamos começar pela teoria... 


:: CANADA HEALTH ACT :: O sistema de saúde no Canadá oferecido à população é, de maneira geral, público. O que significa que a maior parte dos serviços básicos de saúde são financiados pelo governo, apesar de serem fornecidos por entidades privadas. Parece complicado né? Mas funciona mais ou menos assim. Os serviços prestados às pessoas são feitos por profissionais autônomos e/ou empresas particulares, mas quem paga a conta é o governo federal. E apesar da verba vir do bolso do Canadá, a administração do sistema, assim como seu funcionamento, é feita individualmente por cada província (ou território). O governo federal propriamente dito não participa diretamente do controle de nada, apenas o financia.

Mas sabe como é né, todo capital que é investido tem que ter um controle. Então, para assegurar a qualidade das instalações e do atendimento entregue à população lá na ponta, foi instituída uma legislação federal - chamada
Canada Health Act - que regulamenta os padrões do sistema de saúde através de um montão de normas. Assim, apesar do país só cuidar da distribuição do dinheiro, ele exige a qualidade por meio da lei garantindo o atendimento básico e essencial aos assegurados.

Cada província gerencia seu próprio sistema de saúde, mas seguindo sempre as normas estabelecidas pelo Canada Health Act. Para nós pacientes, nada relacionado a isso é complicado porque, na prática, quem reivindica o pagamento dos serviços são os próprios médicos e/ou clínicas e/ou hospitais. Nós não temos que fazer nada, a não ser entregar a carteirinha na recepção de seja lá onde estivermos nos tratando. Não temos que pegar autorização, reembolso, ou pensar em burocracias.

Mas não vai pensando que basta chegar aqui vai sair tratando tudo e qualquer coisa. Nem tudo é financiado pelo sistema de saúde público. O governo garante o básico, incluindo consultas médicas, exames, cirurgias, internação, e outras coisinhas mais. E apesar de ser bem completo, também há muitos itens que não são cobertos por este sistema, tendo que ser pagos por meio de verba particular mesmo. Medicamentos, tratamentos oftalmológicos, atendimento odontológico, fisioterapia, medicina alternativa (acupuntura, quiropraxia, etc) e outras coisas fazem parte do sistema “pagar por conta própria”. Não vou detalhar o que faz (ou não) parte do pacote porque o post já é grandeeeeeeeee.

Vale frisar que o sistema de saúde aqui é conhecido como Medicare (pelo menos aqui em British Columbia) e cobre as necessidades apenas das pessoas residentes e asseguradas. Ou seja, não basta estar aqui, a pessoa tem que estar inscrita no plano de saúde público para usufruir do que é oferecido.

O tal Canada Health Act estabelece 5 princípios fundamentais para as províncias (ou territórios) seguirem e que devem ser aplicadas à todos os residentes ASSEGURADOS:
  • Administração Pública
  • Abrangência de cobertura (garantir fornecimento de hospitais, médicos e cirurgias odontológicas)
  • Universalidade (todo mundo tem que receber o mesmo nível de tratamento e serviço)
  • Portabilidade (não há período de carência quando houver transferência de plano de uma província para outra, e nem para residentes que retornem ao país após um período indeterminado)
  • Acessibilidade (todo mundo tem acesso às instalações de saúde e todos os médicos e estabelecimentos devem receber pelos serviços prestados) 


:: PLANO PÚBLICO :: Como já dito, o seguro de saúde público aqui no Canadá é administrado pelas províncias (e territórios), portanto as pessoas devem se inscrever no plano provincial em que residem. É importante saber que existem diferenças nas coberturas dos planos entre as províncias. Nem tudo o que uma oferece necessariamente a outra também vai fornecer. Claro que todas garantem o básico estabelecido pelo Canada Health Act, mas cada uma das províncias tem autonomia para proporcionar benefícios adicionais à população. Isso acaba até se tornando “diferencial competitivo” para incentivar as pessoas a se mudarem de uma província para outra, algo do tipo “vem morar aqui que eu te ofereço isso, e isso, e isso...”. Mas lembre-se, o básico é garantido igualmente por todas.

Quando me refiro ao básico pense em: hospitais, exames, cirurgia dentária, médicos básicos (médico de família), e médicos especialistas “indicados”. Os médicos especialistas somente serão cobertos se forem “prescritos” pelo médico de família ou por algum outro que tenha já atendido o paciente. Depois explicarei melhor como isso funciona....

Para novos inscritos, há um período de carência (espera) de no máximo 3 meses até que o plano esteja funcionando, e isso vale para novos residentes imigrantes. Lembrando que este tempo de espera só começa a valer depois que a pessoa se inscreveu no sistema de saúde. Por isso, é recomendado que se faça um plano particular para suprir este período sem cobertura local.

Algumas províncias são mais bacanas do que outras e não cobram pelo sistema de saúde. British Columbia, Alberta e Ontario pedem um “health care premium”, em outras palavras no português bem claro, cobram pelo plano de saúde. O valor varia de uma para outra e de acordo com o número de membros por família. Para se ter uma ideia, aqui em BC nós pagamos em torno de CAD$ 125.00 para nós dois. E apesar do sistema destas províncias serem pagos, os serviços de saúde básicos não podem ser negados por falta de pagamento segundo o Canada Health Act.

Importante, apesar do plano valer apenas dentro da província, os assegurados tem cobertura garantida quando estão viajando pelo Canadá independentemente de qual província estejam visitando. Assim, a carteirinha do plano provincial será aceita se houver necessidade de tratamento fora da sua residência. No entanto, benefícios adicionais não são cobertos. Caso, por algum raro motivo, determinado valor seja cobrado, o assegurado poderá pedir reembolso para a sua própria província.

Se for viajar para fora do país, por favor, faça um plano privado ok??? O plano público só vale aqui. Se o paciente precisar de algum tratamento específico fora do país, até é possível conseguir financiamento pelo governo canadense. Mas aí é outra história e isso deverá ser feito através de um processo exclusivo para conseguir uma pré-aprovação.


:: PLANO PARTICULAR :: Enquanto o plano de saúde público cobre os serviços básicos, muitos tratamentos não estão inclusos no pacote do governo, como por exemplo tratamentos alternativos, fisioterapia, oftalmologista, dentista, medicamentos, alguns especialistas, etc. Por isso é sugerido sim ter um plano particular como complemento. A maioria das pessoas tem isso como benefício adicional oferecido pela empresa em que trabalha. Caso a pessoa não tenha isso através do emprego, é possível adquirir um pacote privado para complementar as coberturas não fornecidas pelo governo.

Claro que em alguns casos, como aqui em BC onde já temos que pagar para a província, isso pesa no bolso. Mas a boa notícia é que a maioria das empresas oferecem isso aos funcionários. 


Vale ressaltar que aqui, os planos particulares trabalham com sistema de reembolso. O paciente pagará pelo tratamento/exame caso opte pela rede privada e receberá depois um percentual do valor gasto. Normalmente esta cobertura custeia 80% do procedimento realizado, mas claro, isso dependerá da empresa, tratamento, cobertura, plano, etc, etc, etc. 
 
Plano particular não é super necessário uma vez que o plano público vai cobrir o básico. Mas na prática, é possível conseguir descontos magníficos na compra de medicamentos prescritos, e aí, na conta final acaba valendo incluir isso no orçamento caso não se o tenha através do emprego. Depois falarei mais detalhe a respeito na nossa experiência vivida aqui. 


:: SAÚDE PRIVADA :: Além do sistema público de saúde, há várias clínicas particulares que oferecem serviços no Canadá, incluindo hospitais, laboratórios e médicos especializados. As vantagens são principalmente em relação ao tempo de atendimento, sobretudo espera para exames específicos. Aguardar por uma ressonância magnética por exemplo pode levar mais de um ano. Da mesma forma acontece para cirurgias. Dependendo do caso e da sua gravidade, através do sistema público o paciente pode tomar um belo “chá de cadeira” aguardando o atendimento por muitos e muitos meses.

Emergências são atendidas prontamente, é claro. Mas os pacientes que não estão com problemas de risco acabam ficando por último na fila de procedimentos. Não que isso seja injusto, mas a capacidade de atendimento da rede pública não é muito “alta”, e a necessidade de prestar atendimento por prioridade faz com que as esperas se tornem uma eternidade em algumas ocasiões. Para evitar grandes períodos aguardando uma resposta da rede pública, muita gente recorre às clínicas privadas, especialmente quem tem plano particular.



:: ATENDIMENTO MÉDICO :: O atendimento médico poderá ser feito pela rede pública ou particular. O comum aqui é as pessoas se consultarem com médicos através do sistema público pois os profissionais são em geral muito bem qualificados. 

Comumente, os residentes tem um médico pessoal que cuida da saúde de forma abrangente, e na maioria dos casos, por um longo período. Se possível, pela vida toda. Este médico, conhecido aqui como “family doctor” (médico de família), é quem acompanha o andamento da saúde das pessoas (e seu histórico) e faz a indicação de especialistas quando necessário, assim como prescreve exames e medicamentos. O papel deste profissional é prover os tratamentos, incluindo preventivos, e garantir a manutenção da saúde de seus pacientes de forma geral. É comum um mesmo médico ser responsável por toda a família, uma vez que seu trabalho e performance está relacionado a homens e mulheres de todas as idades. O médico de família tratará das crianças, dos homens e das mulheres, adultos ou idosos.

Em caso de necessidade de um atendimento mais especializado, somente haverá cobertura pelo sistema público se algum médico fizer uma recomendação. Esta recomendação não precisa ser necessariamente feita pelo “family doctor”, muito pelo contrário, pode ser feita por qualquer outro médico, incluindo os profissionais que prestam atendimento em hospitais, mesmo em casos emergenciais. 



:: ESTABELECIMENTOS :: Os hospitais, clínicas e laboratórios que são cobertos pelo sistema de saúde público são necessariamente credenciados para tal. Todos eles são muito bem equipados e possuem equipe altamente qualificada. Em termos de qualidade não há o que reclamar. 

Nem todos possuem a infra-estrutura tipo Sirio Libanes ou Albert Einstein de São Paulo, mas todos tem as instalações necessárias para o atendimento eficiente aos pacientes. Neste caso, ignore luxo e mordomias, estou me referindo a parte técnica. Quem busca requinte, aí sim deve correr atrás de hospitais particulares. De qualquer maneira, em caso de necessidade de internação, é possível pedir por um quarto privado nos próprios hospitais de atendimento público. Isso será cobrado como adicional diretamente do paciente. Eu não sei ao certo qual é o valor, mas já ouvi falar que é algo bem acessível.

Outra coisa interessante é que muitos dos hospitais da rede pública estão iniciando um projeto bem legal direcionado aos imigrantes. Está sendo inciado um programa de idiomas nas instalações de saúde para dar suporte às pessoas não habituadas à lingua local. Aqui em Coquitlam isso está em fase de teste e não sei dizer quais hospitais já está em andamento. Basicamente, a ideia é que haja profissionais nos hospitais que possam falar vários idiomas e ajude na comunicação dos paciente quando necessário. Porque querendo ou não, nestas horas ter que se esforçar para se comunicar é um caos...

Enfim, este é o conceito (bem por cima) de como é o sistema de saúde aqui no Canadá. Resumindo, público e privado à disposição dos residentes inscritos. Cabe a cada paciente decidir qual é tipo de atendimento que vai querer. E os critérios a serem avaliados vai depender de caso a caso e de como as coisas vão funcionar na prática. Mas claro, isso é assunto para o próximo post :)

Até o próximo que será em breve!! 

3 comentários:

  1. Respostas
    1. Fico feliz que tenha gostado Natalie. Ainda nesta semana colocarei mais informação a respeito. Continue acompanhando a nossa história. Um abraço. Priscila

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  2. O melhor post de todos sobre o sistema de saúde canadense!

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